segunda-feira, 27 de abril de 2009

OSGEMEOS: Anárquicos e Autodidatas

Nascidos no Cambuci, em São Paulo, os irmãos Gustavo e Otavio Lindolfo, mais conhecidos como OSGEMEOS, ganharam o mundo. Após começarem a carreira desenhando em muros no bairro onde se criaram, a dupla – que se recusa até a dar entrevistas separados, tal o grau união fraterna e visceralidade artística que os une – expôs pela primeira vez fora do País em 2005, na DEITCH PROJECT, galeria especializada em street art. De lá para cá, a vida destes irmãos, que já tiveram que trabalhar como contínuos no Bradesco para ajudar no sustento da família, transformou-se completamente. Preparam exposições este ano na Itália, Polônia e Estados Unidos.

Confira abaixo, principais trechos de ótima entrevista do jornalista Márcio Rodrigo publicada na Gazeta Mercantil e saiba mais sobre os "meninos".

Ambos são autodidatas. Como descobriram o prazer da arte?
Bom, nós sempre desenhamos, brincávamos de desenhar, desenhávamos em um mesmo papel, não dividíamos espaços e nem materiais, não tinha essa de "este lápis é meu e aquele é seu". Quando não tínhamos papel, riscávamos tudo, embalagens, roupas, paredes, mesas... Era uma época difícil, não tínhamos muito acesso a "canetinhas" boas, ou uma tinta de qualidade, íamos improvisando com tudo que se podia usar, como os esmaltes da nossa querida irmã, giz, carvão... até Cotonete nós já usamos como pincel. Enfim, nós tivemos uma infância muito produtiva, e muito criativa também, graças a nossos pais Margarida Kanciukaitis e Walter Pandolfo. Como fonte de inspiração tínhamos nosso irmão mais velho o Arnaldo P, que nos apoiava, era parceiro em muito destas peripécias, e também nos ensinava muito sobre desenho. Arnaldo é um grande artista, sempre muito criativo e inovando, ajudou muito a despertar este lado criativo nosso. Não precisávamos ter um brinquedo novo, fazíamos nossos brinquedos.


São Paulo é uma cidade muito acizentada. No entanto, os trabalhos de vocês transbordam cores para todos os lados. De onde vem esta verdadeira obsessão pela cor? Aliás, em alguns casos as cores dos trabalhos de vocês lembram ora as cores de Tarsila do Amaral, ora as cores de Matisse...

Uau! Tarsila e Matisse... nossa como faz falta hoje em dia uma Semana de 22!!!! Nomes de peso, imagina a carga de responsabilidades de levar cores para as mentes cinzas no início do século passado? imagina quebrar barreiras e preconceitos? Será que isso mudou? Ou será que aquela época a vida era mais colorida? Engraçado o conflito entre o branco e o preto. Não deveria haver este conflito... mas entendemos tal acontecimento. O cinza é o sangue derramado do conflito entre o branco e o negro. As pessoas precisam das cores. Com toda esta tecnologia de hoje, você assistiria a uma TV em branco-e-preto? As paredes cinzas limitam. Te condicionam à rotina diária. Você não respira. O cinza apagou e enterrou muita história. Em diversas culturas, o cinza é associado à tristeza e a temas fúnebres (à cinza que o fogo consumiu), a um link com a tristeza da cor, muito provavelmente tem início na infância quando aglomerações de nuvens em épocas de chuvas costumam assustar a maioria das crianças, limitando-as de sair de suas casas e brincar. Você já imaginou decorar o quarto do seu filho todo de cinza? O cinza é símbolo da penitência do homem. Cores! Como esta palavra nos da uma sensação de alivio, de respiro, de conforto. Existe uma identificação aí, cada indivíduo prefere uma cor diferente, "hoje eu quero colocar uma camisa azul"! e seus olhos "azuis" ressaltam... você é visto, você é lembrado. O mais engraçado é que nós nunca estudamos as cores, sempre desenhávamos nos papéis, mas nunca pintávamos os desenhos, era sempre na hora de passar para parede que aí pintávamos e isso seguiu até hoje. Gostamos de ter todas as cores no chão e na hora de pintar ir colocando sem regras. É a necessidade de recriar ou de representar ou transformar, por meio de uma linguagem artística.

Neste verdadeiro emaranhado de cores, por que todas as pessoas de suas telas são amarelas?

Porque nascemos em uma época cor de laranja.

Cor de laranja? Como assim!?

Nascemos em uma época alaranjada, onde o sol iluminava a sala com sua cor laranja, as roupas ficavam com as cores mais fortes, ressaltavam seus tons, as fezes até chegavam a modificar de tanto pigmento... Foi daí que veio o amarelo e vermelho escuro que usamos nos personagens.

Vocês podem pintar nos muros da metrópole, nas paredes de uma galeria ou de um castelo europeu ou em placas de madeira apoiadas em um Fusca. Como o suporte influencia no processo criativo?

Pensamos que funciona como a construção de um livro e todos os seus processos. Cada suporte tem suas adaptações, mas a essência do trabalho esta ali no papel amassado no bolso ou no guardanapo do bar que desenhamos e depois limpamos a boca com ele. É incrível saber que somos seres livres, e com a permissão de Deus podemos desfrutar de vários suportes diferentes. Que bom que nosso trabalho nos permite isso: conhecer, desvendar, arriscar, viajar nestas veias e "rios". É como abrir uma janela que pintamos e ter o privilégio de enxergar lá bem longe um carro com uma cabeça em cima, conversando com você. Aí você entra dentro dele e ele te leva para lugares que você sempre acreditou que existissem... Existe um mundo aí fora, criado pelos "homens", homens do bem e do mal, nós só recriamos ou modificamos o que foi feito. Cremos que, as vezes, é pelo simples fato de não estar contente ou de acordo com o que está sendo feito. Daí surgem os suportes, e ideias de como utilizá-los . Às vezes, temos uma ideia e quando executamos mudamos umas duas ou três vezes. Quando isso acontece é um ótimo sinal, é sinal que as ideias estão em "alta!" conflitando! Está havendo um acúmulo de informações e ideias distintas, que surgem super-rápidas. Você tem que concretizar todos estes "elementos" rápido, antes que outros apareçam e tomem o lugar dos pensamentos que vieram primeiro, ou das "criações" que foram lentas e ficaram para trás. Existem vários processos de criação: lentos e os rápidos. Nós adoramos os dois! Principalmente os rápidos!

Por que a opção de criar tantos trabalhos voltados para as questões ditas sociais num momento em que a arte contemporânea transborda temas mais ligados ao caráter das vivências individuais de cada artista?

Nós não fazemos arte contemporânea... talvez arte atemporal?!... Como ficar quieto perante este mundo que vivemos? Como fazer "arte" e não questionar? Qual a necessidade de não querer questionar, chocar ou transformar? Fazer as pessoas pensarem, refletirem talvez? Não sabemos. A inquietude !!!! A arte do "inconsciente"! Esta coisa de que a arte depende de uma interpretação, às vezes nos fascina, e às vezes achamos tão " bobo!". Poder armazenar algumas ideias no inconsciente também não é nada mal. Sentimos a necessidade de nos expressar por meio da arte, seja ela qual for... graffiti, instalações, esculturas são só "ferramentas" que utilizamos. Nós também temos um lado individual, super- presente em nosso trabalho, mas acho que o resultado de nossa obra desperta um lado escondido nas pessoas, um lado que elas deixaram guardadas em uma "gaveta" e perderam a chave... e muita das vezes esqueceram que isso ainda está, mesmo sem chave. O lúdico e o mágico resgatam esta esperança de alívio, de pausa nos pensamentos.

No ano passado, o caso da pichação na Bienal de São Paulo gerou muita polêmica na mídia e nos meios artísticos, suscitando debates acalorados sobre o grafite e as pichações nos muros da cidade. O que vocês pensam desta questão?

Um espaço inteiro vazio no prédio da Bienal? E milhares de artistas lutando por um... até que ponto a arte está no meio do povo? De que maneira o povo participa dela? O que podemos dizer é que a Bienal foi a pior que já vimos. Com tanto artista bom no Brasil, você ter um espaço em branco!? Isso não deve existir. É realmente uma vergonha para a cena da arte e para a cultura do País. Não se deve permitir coisas deste tipo nunca mais.

Nos últimos anos, o graffiti tem tomado conta das ruas das grandes metrópoles como São Paulo, Tóquio e Nova York. O graffiti é, neste momento, o melhor suporte para se transpor os limites dos museus e das galerias concretizando assim o desejo de muitos artistas e curadores de ter uma arte realmente pública?

O graffiti sempre teve esta força e tomou conta dos metrôs, trens, ruas, prédios, muros, etc. Há mais de 20 anos, no "jogo" do chamado graffiti, não existe limites. Para muitos o limite chega até ser a própria vida. Para nós, o graffiti nunca vai estar dentro de um museu ou galeria. O graffiti é de fato uma arte totalmente pública sem ninguém te falar como, onde e por que deve ser feito. Existe toda uma atmosfera que você só consegue senti-la, se você faz parte deste jogo. E isso você só encontra quando está de fato na rua, no meio urbano, e que o conjunto disso tudo se pode chamar de graffiti. Há anos, galeristas do mundo todo têm convidado artistas que vêm deste universo para expor em museus, galerias etc. Tentar levar esse ato público para dentro de instituições, só se você invadir determinado espaço e pintar sem autorização, ou representá-lo por exemplo por foto. Mais a sensação de estar lá pintando, vivendo aquilo, acho que só quem faz sente.

Vocês foram primeiramente reconhecidos no exterior para enfim serem aceitos pelo mercado de arte brasileiro. A que atribuem este fato?

Talvez pelo fato do mercado internacional de arte que gira em torno do universo de graffiti, já existir há mais de 20 anos, e aqui no Brasil isso é ainda muito novo. O fato é simples: "Tudo que fizemos para chegar até aqui e estamos fazendo, fazemos com muito amor, respeito, verdade e principalmente deixamos para que Deus guie nosso caminho.

Gazeta Mercantil/Fim de Semana: em 24/04/2009.
www.gazetamercantil.com.br

domingo, 12 de abril de 2009

Bea Feitler: Designer Brasileira foi Influente na América


No início deste ano adquiri uma edição da revista Print datada de 1987 e dedicada ao Design Brasileiro. O designer carioca Felipe Taborda foi o editor convidado da clássica publicação americana incumbido de coletar material para rechear o “tributo” aos brasileiros. Marcaram presença “medalhões” como Ana Luisa Scorel, Francesc Petit, Guto Lacaz, Miran, Rico Lins, Strunck, Rafic Farah, entre muitos outros que estão por aí até hoje). Há muito material gráfico e de publicidade da época (capas de LPs, anúncios, embalagens, cartazes de teatro e filmes, páginas de jornais e revistas etc). Porém, de todo conteúdo, um artigo que me chamou mais atenção referia-se a uma designer brasileira chamada Bea Feitler. O texto, escrito pelo próprio Taborda destacava a importância de da brasileira (falecida prematuramente de câncer em 1982) em importantes publicações como a Harpers Bazaar e Rolling Stone, além da histórica revista Senhor no Brasil.

Semana passada, assistindo um documentário sobre a trajetória da fotógrafa americana Annie Leibovitz (A Vida através das Lentes), eis que surge novamente a figura “até então desconhecida” de Bea Feitler.

Aos 40 minutos do filme, Leibovitz ressalta a influência que Bea teve sobre seu trabalho na Rolling Stone e como aprendeu a conceituar melhor suas imagens com a ajuda de seus conselhos.

A importância que Leibovitz dá a nossa brasileira (eu só sei que é brasileira por conta da Print “brazuca”, no filme não há essa informação) é enorme e acabou me deixando curioso a respeito do histórico da designer.

Vasculhando a vida da moça, descobri que Bea Feitler saiu do Rio e foi para NY estudar design na Parsons Schools e formou-se em 1959. Seu interesse inicial por ilustração rendeu-lhe um crescente fascínio pela área. Tornou-se aos 25 anos co-diretora de arte de uma das mais importantes revistas de moda americana, a Harper's Bazaar. Teve projetos de livros premiados, reformulou o formato da Rolling Stone e trabalhou no revival de um clássico dos anos 30, a revista Vanity Fair.

Segundo Felipe Taborda na Print, no período em que viveu no Rio de Janeiro após a graduação, iniciou um escritorio de design chamado Estúdio G, com dois outros artistas, especializando-se em design de cartazes, livros e capas de disco. Colaborou no projeto da revista Senhor, marca registrada do design brasileiro, sendo a única revista brasileira de cunho político e cultural concebida com conceitos de design. Num período de experimentação, Bea trouxe novas idéias ao layout da revista. Seu trabalho atravessou fronteiras, criou padrões e conceitos visuais que são influentes até hoje”.


Herdou os conceitos editoriais do designer Alexey Brodovitch e dizia que "Uma revista deve fluir. Deve ter ritmo. Você não pode olhar para uma página só, você tem que visualizar o que vem antes e depois. O bom design editorial é sobre ‘como criar um fluxo harmônico’ ".

Tintas fluorescents, fotografia com ilustração, tipografia expressionista e desinibida foram algumas das características de seu trabalho.

Tinha bom senso e intuição sobre as pessoas: após ganhar confiança, permitia que seus assistentes tivessem suas próprias abordagens, ajudando-os a reconhecer as suas potencialidades. Muitos jovens designers que trabalharam com ela tornaram-se grandes diretores de arte por mérito próprio.

De personalidade encantadora, mas também muito exigente, seus padrões de excelência na concepção dos projetos eram inegociáveis.

Mesmo enquanto diretora de arte de grandes revistas, trabalhou em uma variedade de projetos como capa de disco para os Rolling Stones, campanhas para Christian Dior e Calvin Klein, livros para Beatles, Cole Porter, Vogue e o fotógrafo Helmut Newton.

De 1974 até 1980, foi professora da School of Visual Arts, onde os estudantes batalhavam para estar em sua classe. Incentivava cada aluno a seguir sua própria direção. Consta como seu aluno, o artista Keith Haring, que era criticado por ter trabalhos inspirados no graffiti. Bea se entusiasmou com seu vigor e potencial, encorajando-o a continuar a desenvolver neste caminho.

Seu último projeto foi a volta da revista Vanity Fair porém não viveu para vê-la publicada.

Não me lembro do nome de Bea Feitler em nenhuma publicação ou aula sobre história do design nos últimos anos aqui no Brasil. Há um belo texto sobre a moça  intitulado “The Vitality of Risk” escrito por Philip Meggs no site da AIGA:

www.aiga.org/content.cfm/medalist-beafeitler

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